A ILEGALIDADE TÉCNICA DA FORMAÇÃO SUPERFICIAL DE INSTRUTORES DE NR, APH E INCÊNDIO
A formação de instrutores em Normas Regulamentadoras, Primeiros Socorros e Segurança contra Incêndio vem sendo progressivamente banalizada. Cursos rápidos, certificados automáticos, simulações digitais e títulos genéricos passaram a ser utilizados como substitutos de formação técnica real. O resultado é um mercado que entrega aparência de conformidade, mas produz risco operacional concreto, exposição jurídica e, em última instância, mortes evitáveis.
Esse problema não é conceitual. É normativo, técnico e estrutural.

CAPACITAÇÃO NÃO É PRODUTO: É EXIGÊNCIA LEGAL VINCULADA AO RISCO
A NR 01 – Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais estabelece o princípio basilar que rege toda capacitação em segurança do trabalho: o treinamento deve ser compatível com o risco real da atividade, ministrado por profissional qualificado, competente e comprovadamente apto. Não se trata de escolha pedagógica ou modelo de negócio. Trata-se de obrigação legal.
Capacitação que não desenvolve competência prática não atende à NR 01. Certificado, por si só, não comprova capacidade técnica. Em auditorias, fiscalizações e ações judiciais, o que se avalia é a coerência entre risco, formação do instrutor, conteúdo ministrado e capacidade real de resposta.
INSTRUTORIA EM APH: EMERGÊNCIA NÃO ADMITE IMPROVISO
No campo de Primeiros Socorros e Atendimento Pré-Hospitalar (APH), a exigência técnica é máxima. Emergência envolve parada cardiorrespiratória, hemorragias graves, queimaduras profundas, politraumas e decisões sob pressão extrema. Não existe margem para erro didático.
A prática consolidada dos Corpos de Bombeiros, especialmente no Estado de São Paulo, e os critérios de credenciamento estabelecidos pela Portaria CCB-008/600/14, deixam claro que a formação de instrutor de APH exige formação mínima robusta, com forte componente prático. A referência técnica adotada no mercado sério é de no mínimo 240 horas, ministradas por instituição oficial ou devidamente credenciada, com avaliação técnica e vivência real.
Essa carga horária não é arbitrária. Ela reflete a necessidade de domínio profundo de protocolos, repetição prática, treinamento supervisionado e desenvolvimento de reflexos operacionais. Simulações digitais, vídeos ou tarefas automatizadas não substituem prática presencial. Em emergência, segundos definem o desfecho. A ausência de prática transforma evento tratável em morte evitável.
A FRAGMENTAÇÃO INDEVIDA DA EMERGÊNCIA
Um erro estrutural recorrente é tratar APH como módulo acessório dentro de cursos de NR, ministrado por instrutores que nunca tiveram formação específica na área. Essa prática viola diretamente a NR 01. Quem ensina APH assume responsabilidade direta sobre a conduta futura do trabalhador diante de uma vítima real.
A ABNT NBR 16877 – Qualificação Profissional de Bombeiro Civil, em seu Anexo A (informativo), reforça essa lógica ao estruturar a formação do instrutor de bombeiro civil com unidades de competência integradas: análise de riscos, APH, combate a incêndio, salvamento e técnicas de ensino, resultando em carga horária mínima sugerida próxima de 240 horas. A integração não é casual. Emergência é sistêmica.
BRIGADA DE INCÊNDIO NÃO É INSTRUTORIA DE SISTEMAS
É indispensável fazer uma distinção técnica clara, frequentemente ignorada pelo mercado: brigada de incêndio não habilita instrutoria em sistemas de combate a incêndio.
A ABNT NBR 14276 – Brigada de Incêndio trata de resposta inicial e operacional. O brigadista é treinado para:
• uso de extintores portáteis
• operação básica de hidrantes ou mangotinhos
• abandono de área
• apoio inicial até a chegada do socorro especializado
O brigadista é usuário do sistema, não especialista técnico.
Já os sistemas de combate a incêndio constituem um campo altamente complexo, que envolve engenharia, projeto, instalação, comissionamento, integração e manutenção. Esses sistemas incluem, entre outros:
• detecção e alarme de incêndio
• painéis de controle e lógica de acionamento
• sistemas automáticos de sprinklers
• redes hidráulicas pressurizadas
• casa de bombas de incêndio (elétrica, diesel e jockey)
• válvulas de governo e dispositivos de supervisão
• sistemas de espuma, gás ou outros agentes
• intertravamentos com sistemas elétricos e de processo
Ensinar sistemas de combate a incêndio exige formação técnica específica, domínio normativo, leitura de projetos, compreensão de falhas operacionais e integração entre sistemas. Nenhum curso de brigada, com cargas horárias entre 8 e 56 horas, habilita alguém a atuar como instrutor de sistemas. Confundir esses níveis é erro técnico grave.

NR 10: SEGURANÇA ELÉTRICA É EMERGÊNCIA INTEGRADA
A NR 10 – Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade não trata apenas de eletricidade. Ela trata de risco letal. Acidentes elétricos envolvem choque, arco elétrico, queimaduras, incêndios secundários e vítimas em áreas energizadas.
Por isso, a NR 10 exige capacitação compatível com o risco, o que inclui:
• NR 10 Básico
• NR 10 Complementar
• NR 10 em Áreas Classificadas
Um engenheiro eletricista, mesmo com pós-graduação, não se torna automaticamente instrutor de NR 10 se nunca teve formação em APH, nunca atuou em resposta a emergências e nunca desenvolveu competência pedagógica. Pós-graduação é acadêmica. Emergência é operacional. Uma não substitui a outra.
INSTRUTORIA NÃO É CONSEQUÊNCIA AUTOMÁTICA DO DIPLOMA
Outro desvio recorrente é tratar diplomas, registros profissionais ou selos institucionais como habilitação automática para instrutoria. CREA, MEC, conselhos profissionais e associações possuem atribuições legais específicas. Nenhuma dessas instâncias concede, por si só, competência para ministrar treinamentos de risco.
Instrutoria exige:
• domínio técnico da disciplina
• experiência operacional real
• formação específica em ensino e oratória
• capacidade de avaliar e corrigir condutas inseguras
Sem isso, o treinamento não desenvolve competência. Apenas entrega papel.
O ERRO FINAL: CONFUNDIR CERTIFICADO COM CAPACITAÇÃO
Quando profissionais sem formação robusta em APH, sem distinção clara entre brigada e sistema, sem vivência operacional e sem técnica de ensino ministram treinamentos normativos, ocorre uma distorção grave do conceito de capacitação. O certificado emitido não representa aprendizagem, nem mudança de comportamento seguro
Ele representa:
• vulnerabilidade jurídica da empresa
• risco direto à vida do trabalhador
• responsabilização solidária em caso de acidente
A contratação de treinamento nessas condições não exime responsabilidade. Amplia.
CONCLUSÃO: SEGURANÇA NÃO ADMITE ATALHOS
A coerência técnica é inegociável. Só deve atuar como instrutor em segurança do trabalho quem possui formação completa, comprovável e compatível com o risco real. APH exige formação robusta. Brigada exige clareza de escopo. Sistemas exigem especialização técnica. NR exige integração de tudo isso, somada à competência pedagógica.
Treinamento inadequado mata.
Certificação superficial ilude.
Segurança não é promessa.
É método, formação real e responsabilidade assumida.
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Autor
Engenharia Agronomica
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